


Antes estava assim... Resolvi dar um aspecto diferente...
A chuva forte, o vento e os relâmpagos invadiram a cidade. Toda a noite o vento insistia incessantemente e de rompante à minha janela, em gritos abomináveis, pedindo exaustivamente para entrar.
Não cessou um único minuto, e querendo mostrar as suas forças, irrompeu ainda com mais força, acompanhado de chuvas fortes, que pareciam dilacerar o chão que pisavam.
A cidade vestiu-se de negro fechado, nem viva alma se sentia. Os relâmpagos aclaravam uma luz intensa de tempos a tempos, seguido de um ruído estrondoso. Parecia o Gigante Adamastor, querendo devorar mar, céu e terra.
Adormeci… e a tempestade parecem acalmar-se nos meus sonhos.
Pela manhã acordei com lágrimas de chuva, que escorriam pelas vidraças, e o vento tinha decidido voltar e tomar conta das nossas vidas. Era dia de ninguém ousar sair de suas casas. Fiquei por alguns momentos a pensar se o deveria fazer ou não, mas a verdade é que mesmo assim, não resisti e decididamente resolvi sair porta fora.
Esta chuva despertou-me boas lembranças. Lembranças dos rigorosos Invernos de quando era criança, das galochas azuis com uma barra amarela, das poças de água e de lama que tanto gostava de chapinhar., do leite quente com cacau ao fim do dia, de ficar tempos a fio vendo e imaginado destinos para as gotas de água que escorriam janela abaixo…
E senti-me feliz por ter a sensação de corpo encharcado, de ter o rosto e cabelos molhados…. Tenho de confessar que não consegui resistir e tive de abrir as palmas das mãos em direcção ao céu e colocar a cabeça inclinada, abrir a boca, deitar a língua de fora e ficar ali durante alguns minutos a levar com a chuva…
“No Outono as folhas ficam velhas e o vento de Outono sopra e as folhas caem embaladas pela dança e quando caem no chão dormem um profundo sono.”
Nos momentos de expressão plástica, a sala de aula transforma-se numa autêntica feira. Os alunos são incapazes de ficarem sentados nos seus lugares a pintarem os seus desenhos. Levantam-se amiúde, trocando lápis de cor e perseguindo ferozmente o célebre lápis cor de pele, um rosa creme muito claro, para colorir as suas representações humanas, que independentemente da etnia do autor, são sempre caucasianas.
Risos, burburinhos e muitas distracções, até que chega um e diz:
- Professora, não sei desenhar!
Mas como é isso possível, todos nós sabemos desenhar algo, se bem uns melhor que outros, mas todos os sabem.
Este espaço é livre, o desenho é livre e eu abandono-os à sua criatividade enquanto me abstenho da minha, apontando as faltas que deram no livro de frequências, escrevendo o sumário, corrigindo cadernos....
Ouço-lhes os burburinhos dos namoricos e descobri que a maioria dos meninos está com uma paixoneta, por uma menina do 4º ano, a Raquel... Tentam espreitar pelos estores a ver se a vêem sair... às vezes faço de conta que não vejo... ou então pisco-lhes o olho, a dar-lhes sinal de que estou a ver. Riem e olham uns para os outros, camuflando algo que fazem há já algum tempo...
Vivo um dia de cada vez e sei que perante as dificuldades deles, não posso fazer dois anos em um. Quando chego a casa e reflicto, que afinal até trabalhamos bem e que se calhar eu é que estou a ser muito exigente!